quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O EURO, A AJUDA À GRÉCIA E O PROJETO ALEMÃO



Mais que um símbolo nacional, a moeda e seu controle pelos homens de Estado definem a remuneração do capital financeiro, viabilizam a gestão de projetos estratégicos pelo Estado, a administração e o custeio do dia-a-dia do País, determinam o perfil da distribuição de renda entre segmentos sociais e também dos ganhos de comércio entre países.

Tal como o pênalti – que teria que ser batido pelo presidente do clube, como alguém já afirmou  –  a gestão da política monetária deve permanecer sob a guarda da mais alta administração do País. Sua submissão à irracionalidade do mercado não teria cabimento, pois não se aplica à moeda o ideário e a política ingênua do ganha-ganha, discurso fácil de marqueteiros, como bem prova essa crise econômica que já completa quatro anos.


             O Euro e a delimitação de espaço econômico vital europeu

Nesse sentido, a União Européia somente viabilizou-se, não pela ameaça do "comunismo ateu do estado totalitário soviético". O motivo da criação da CEE não foi a ameaça e o poder da URSS contra o qual foi constituída a OTAN.

Caso assim tivesse sido, ao ter a Rússia perdido um terço de sua população e de seu território no desmoronamento da URSS, a Comunidade Econômica Européia (CEE) também teria desmoronado, por conta de cessar aquilo que poderia ser o leitmotive da integração européia. Mas não, mesmo com o desmoronamento da URSS, a CEE aprofundou a integração e transformou-se em UE União Européia.

A razão da criação da CEE está em que o grande adversário dos países europeus eram e são os EUA, como já definira Charles De Gaulle, em 1966; como já bem esmiuçara Jean-Jacques Servan-Schreiber, em seu best-seller "Desafio Americano", de 1965. E como revela hoje, nos detalhes, o intelectual norteamericano, Chalmers Johnson (2007) (2002)


             Soberania européia e dominação militar americana

Com cerca de 400 mil soldados norteamericanos, em centenas bases militares instaladas na Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Portugal, barreiras de mísseis e poderio atômico, livrar-se do domínio dos EUA é a meta quase impossível de ser atingida pela Europa, hoje aglutinada na União Européia (UE).

Ainda hoje dominada política e militarmente, mesmo decorridos 65 anos do término da Segunda Grande Guerra, sabe a Alemanha que poderá recuperar a soberania sobre seu território, somente se unida aos demais países, em uma estratégia de 30 a 50 anos. As lideranças dos demais países europeus sabem disso.

Assim, o Euro representa menos a unificação das políticas monetárias dos países europeus, em si, custo doloroso a ser pago em termos de soberania nacional para qualquer dos países integrantes da UE.

A moeda única européia, o Euro, representa mais a busca de independência em relação à política monetária norteamericana, enquanto passo inicial da retomada da soberania territorial alemã e européia, em face da ocupação norte americana, territorial e mercadológica.


Manter a Libra Esterlina e não aderir ao Euro, instrumentaliza melhor a Inglaterra para enfrentar a crise econômica, pois permite ao Estado Inglês utilizar-se autonomamente dos vários instrumentos de política monetária e de política fiscal que achar convenientes. Isso não é possível aos países que aderiram ao Euro, pois sua política monetária é restrita às regras do Banco Central Europeu; e sua política fiscal deve respeitar limites de endividamento máximo estabelecidos para a UE. 


Mas, muito além disso, não aderir ao Euro e, principalmente, fortalecer a parceria com os EUA, viabiliza para a Grã-Bretanha o enfrentamento do poderio econômico alemão.     

Essa a grande razão de a Inglaterra não ter aderido ao Euro: permanece em alinhamento político com os EUA na Europa; reconhece também que somente aliada aos EUA poderá enfrentar a hegemonia econômico-financeira alemã. A estratégia inglesa de ressuscitar a City de Londres somente poderá ter sucesso caso se estabeleça a parceria com os EUA. Aderir ao Euro seria abandonar essa estratégia, ocupar posição secundária na Europa e ali perder a condição de defensora dos interesses norteamericanos.

A moeda única européia surge como um símbolo de efetiva delimitação de espaço econômico vital, do âmbito de controle estratégico das relações econômicas.

Minar o Dolar e o poderio econômico norteamericano na Europa, limitar o uso do Dolar nas negociações entre países europeus e, em um segundo momento, impor o Euro ao resto do mundo, ocupando espaço do Dolar, esse é o grande objetivo da União Européia.

Isso significaria garantir o próprio mercado europeu aos países europeus; e, em seguida, conquistar os mercados do Dolar para os países europeus e seus produtos.


              O Dólar no comércio do petróleo e a Guerra do Iraque.

Para rememorar, a guerra do Iraque pode ser lembrada como um momento de definição da permanência do Dólar no mercado do petróleo, como um espaço para o dólar, pois Sadam Hussein impusera negociações em Euro para o petróleo iraquiano. Isso não pode ser esquecido.

Para além da Guerra do Iraque, a luta norte americana pela manutenção do Dólar como moeda internacional continuou sob a forma de chantagem econômica e militar. 


             Chantagem atômica para manutenção do Dólar como moeda internacional


Por um lado, as visitas de Hillary Clynton, como Secretária de Estado, à China, ao Japão e à Alemanha, logo no início do governo Obama, destinaram-se a garantir a presença dos governos desses países no mercado financeiro internacional, viabilizando a colocação de títulos governamentais norte americanos e o consequente financiamento dos gastos públicos dos EUA. Com Alemanha e Japão, essa parceria data dos anos 70; com a China, dos anos 90.


Por outro lado, o acordo atômico entre EUA e Índia, em 2010, funcionou como uma chantagem militar contra a China e contra seu pleito por uma nova moeda internacional: uma ameaça de equipar a Índia com arsenal atômico moderno, no caso de rompimento do acordo de sustentação do dólar e da dívida pública norte americana pela China. 

O movimento chinês e dos BRICs em prol de uma nova moeda internacional é um recado em contrário a esse interesse norte americano e à continuidade da parceria monetário-fiscal sino-americana. E força os EUA a um rápido ajuste do qual os sinais evidentes ao público são a descontinuidade das guerras do Iraque e do Afeganistão, a tentativa de revitalização da política fiscal norte americana por Obama, por meio da tributação aos mais ricos e redução dos benefícios fiscais às grandes corporações. E também a injeção de recursos na economia através da compra de títulos governamentais no mercado financeiro, os Quantitative Easing, QE1 e QE2.

             Hesitação Alemã e Francesa, temor da inflação e de seu impacto eleitoral abrem espaço para atuação intensa do FMI na Europa 


Neste outubro/2011, Alemanha e França ainda hesitam em apoiar a Grécia, Portugal, Itália e Espanha, por meio da liberação de recursos lastreados em novas emissões monetárias pelo Banco Central Europeu.

Mas, emitir moeda para salvar o Euro é compatível com o plano estratégico alemão de longo prazo. Mas essa medida aterroriza economistas, autoridades monetárias e eleitores alemães que vislumbram no horizonte a sombra da hiperinflação que arrazou a Alemanha nos anos 20 do século passado.

A missão de Ângela Merkel é convencer os eleitores alemães – ainda que não possa afirmá-lo com todas as palavras –  que deve ser dada continuidade ao plano estratégico longo prazo do país, que já obteve relativo sucesso na primeira etapa, a de unificação das duas Alemanhas.


Sob esse impasse, o FMI abre seu âmbito geográfico de atuação, antes circunscrito aos países  em desenvolvimento. A Alemanha reage lançando a proposta da criação de um FMI exclusivamente europeu, mascarando a inoperância do Banco Central Europeu ao longo da crise. 


             Estratégia possível para a Alemanha

Para a chancelaria alemã resta ainda fortalecer a União Européia e o Euro para posicioná-lo como a moeda de trocas internacional e para garantir o mercado europeu para o empresariado alemão e europeu:
(a) apoiando no curto prazo as medidas norteamericanas no sentido da valorização do yuan, no que isso representa de perda de competitividade dos produtos chineses na Europa e demais países;
(b)  rechaçando as investidas chinesas e dos demais BRICs para estabelecimento de uma nova moeda internacional distinta do Dólar, enquanto a Europa está enfraquecida e a China, fortalecida;
(c) apoiando os planos de regulação e recuperação do sistema financeiro europeu;
(d)  apoiando a estabilização das economias das nações européias;
(e) negociando acordos comerciais com outras áreas de comércio de nações, como o Mercosul, e com países, de modo a garantir espaços de comércio para produtos europeus;
(f) boicotando o ressurgimento da Citi Londrina como centro financeiro mundial;
(g) buscando que sejam direcionados recursos dos BRICs à compra  direta de títulos da dívida soberana grega, espanhola, portuguesa e italiana, ao invés da mera disponibilização de recursos dos BRICs à capitalização do FMI, para que fique por conta do Banco Central Europeu, e não do FMI, o direcionamento de recursos e o monitoramento da economia, da política fiscal e da política monetária dos países europeus em dificuldades.


             O combate alemão à inflação no curto prazo é incompatível com o plano alemão de longo prazo de reconquista da soberania territorial e mercadológica alemã e européia

No momento, considerada a estratégia alemã de longo prazo, a mais importante missão de Ângela Merkel é menos o controle das emissões monetárias pelo Banco Central Europeu e o eventual processo inflacionário que delas poderia resultar; e muito mais o rápido apoio à Grécia e soerguimento da economia de Espanha, Itália, Portugal e Irlanda.

Interesses imediatistas e eleitorais podem já estar obnubilando o projeto alemão de longo prazo. Mas, tal como Helmut Kohl passou para a história por reunificar as duas Alemanhas – a RFA e a RDA, comemorada em 03.10.1990, e que completa neste mês onze anos  – Angela Merkel igualmente poderá passar para a história como a chanceler que impediu o desmoronamento da UE sustentando a permanência do Euro. Poderá ser reconhecida por ter sustentado as bases para a independência européia em relação à política monetária norte americana e para certo isolamento europeu em relação à decadência do dólar, bem como para uma distante reconquista da soberania mercadológica e territorial pela Alemanha e pela  Europa.  

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