segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ENGESSAMENTO DO BB SERVE AO SANTANDER


O engessamento do BB serve ao Santander, diz economista

Revista Brasília,  07.10.2011

Nos últimos dias, o Banco do Brasil tem sido acusado de esvaziamento de suas diretorias em Brasília em prol da cidade de São Paulo. A ministra da Casa Civil, Gleisi Helena Hoffmann, reuniu-se com a direção do BB para debater o assunto e trazer solução que harmonize os interesses envolvidos.   Com relação ao tema, a Revista Brasília entrevistou o economista Wilson R. Correa (60), ex-funcionário do BB, atual CEO da MP Consultoria, que falou sobre o assunto.

Revista Brasília – Dr. Wilson, qual a avaliação que faz da transferência para São Paulo de diretorias do Banco do Brasil e da Caixa Federal ?

Wilson R Correa – Essa é uma questão extremamente delicada, que nos reporta à transferência da Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília. Naquela ocasião, diversos setores da sociedade carioca manifestaram-se contrários e mantiveram essa posição até recentemente, quando da minissérie JK, da TV Globo que, parece, deixou mais claros os objetivos e o projeto desenvolvimentista. Foi um sacrifício enorme do País, falta de cimento, ferro, matérias primas, o custo de tudo isso aumentou nas grandes capitais do País e gerou muita oposição em São Paulo, Minas e outros estados. A transferência trouxe o desenvolvimento para Brasília, mas apequenou o Rio de Janeiro, que somente agora se ergue, com o desenvolvimento trazido pelo PréSal. Brinco dizendo que, na ocasião, sobrou para o Rio apenas a TV Globo, a antiga fábrica de sabão UFE, a fábrica de sardinhas Gomes da Costa, o turismo, é claro, além de uma grande frustração do Rio de Janeiro, por deixar de ser capital federal, e de Niterói, por deixar de ser capital estadual e ter de tornar-se uma cidade do interior.

Revista Brasília –  Sim, mas e hoje ?

Wilson R Correa – Hoje, alguns brasilienses estão alimentado o temor de esvaziamento econômico do DF. Não acredito nisso. Primeiro, porque o Banco do Brasil tem em seu DNA o desenvolvimentismo e abraçou a causa da fundação de Brasília. Creio que foi o primeiro órgão público a transferir-se para Brasília, indo ocupar o prédio que hoje é a sede do BRB, no Setor Bancário Sul. É um banco historicamente integrado a Brasília, à sua concepção, ao seu projeto de interiorização do desenvolvimento, que abraçou e conduziu. Não se espante, conduziu sim. Devemos nos lembrar que o BB, na ocasião, era o Tesouro Nacional Brasileiro, função que atualmente é desempenhada pela Secretaria do Tesouro Nacional, fundada apenas em 1986. O BB era o que hoje é o nosso Banco Central, desempenhava as funções do controle da moeda e do crédito, que foi fundado apenas ao final de 1964. Era também o nosso banco de comércio exterior, através de sua CACEX, extinta pelo presidente Collor em 1990 e não substituída, em prol do projeto de liberalismo cambial pleno.
Em segundo lugar, a transferência da diretoria BB para São Paulo, que estava sendo implementada, era apenas de um segmento da Vice-Presidência, que cuida do crédito às grandes empresas. Esse segmento é responsável pela idealização e design de produtos específicos para esse nicho de clientes, com os quais, por força dessa modelagem, têm que estar onde os clientes estão. Isso é um imperativo. Assim como no caso da música do Milton Nascimento, que diz que o artista deve estar onde o povo está, o banco deve estar onde os clientes estão. Isso é regra. Dê uma espiada onde estão instalados o Safra, o Santander, o Bradesco e o Itaú. Há milhares de cidades no Brasil onde nenhum deles está. Porque ? Porque eles estão onde estão aqueles que esses bancos elegeram como seus clientes. O BB, como é de conhecimento de todos, está em mais de 90% das cidades brasileiras.

Revista Brasília –  Mais alguma razão ?

Wilson R Correa – Bom, em terceiro lugar, não acredito no esvaziamento de Brasília com essa transferência, porque o povo brasileiro e as empresas do País descobriram o interland brasileiro e ambos acorrem para o centro oeste buscando novas oportunidades de trabalho e qualidade de vida, que não mais são encontradas em São Paulo, por exemplo. E estou falando de pessoas de classe média. Sampa tem seu fascínio, claro, mas a vida ali está muito difícil de suportar. Ah, sim, não podemos esquecer – em quarto lugar – que os executivos das grandes empresas, a alta gerência não tem lugar específico para trabalhar permanentemente. Em um dia, numa cidade; em outro, em outro país; amanhã no Rio, depois, conduzindo um projeto no Peru, no Japão, na Bélgica. Sua família, geralmente, fica num ponto eqüidistante, se possível, junto dos demais familiares, em local com aeroporto internacional. Pouco provável que aqueles que estavam se transferindo para São Paulo, estivessem levando todos os filhos, esposa ou esposo. Vida de executivo é um dança permanente. Assim, pouco provável que a renda da cidade pudesse cair, não só porque a família dificilmente se transferiria para São Paulo por completo, mas porque a maior parte de seus gastos permaneceria na capital federal.

Revista Brasília – Alguma outra razão ?

Wilson R Correa – Há algo também muito importante que é a questão do brain drain, ou drenagem de cérebros. O maior centro mundial de desenvolvimento de tecnologias é reconhecidamente o Vale do Silício na Califórnia. Para ali correm as melhores cabeças, as maiores competências nesse área. São Paulo, no Brasil, é o local onde se encontram as maiores competências em mercado financeiro. Ao ponto de ser desacreditado, no mercado financeiro, o profissional de finanças que não está estabelecido em Sampa. Estar longe do cliente é crime de lesa competitividade. Para subsistir nesse mercado, o BB tem que estar lá com sua diretoria, almoçando com os diretores financeiros das empresas, com seus presidentes, têm fazer parte da comunidade local. Todos sabem o que é o cerimonial japonês para fazer negócio. Você tem que estar muito próximo deles para, depois de algum tempo, ganhar sua confiança. Há pessoas que ingenuamente acreditam que nós, brasileiros, não temos algo parecido. Temos sim; não tão delicado quanto o cerimonial japonês, mas há uma diplomacia empresarial brasileira. Não tenho dúvidas.

Revista Brasília – Mas então, a que o Sr. atribui essa celeuma toda em torno do caso de transferência da diretoria para o Banco do Brasil ?

Wilson R Correa – Antes é importante frisar que diretoria, no caso do BB, é apenas uma área eminentemente técnica. Muitos anos atrás corresponderia a um departamento. As áreas de poder, estão localizadas na presidência e nas vice-presidências Estas ficam em Brasília e não vão mudar. Empréstimos da maior monta são decididos em reuniões do Conselho Diretor, em que se reúnem o presidente, os vice e alguns diretores envolvidos com a operação analisada.
Mas objetivando a resposta à sua pergunta, há muitos interesses envolvidos nesse, que poderíamos chamar, engessamento do BB. Quando o BB iniciou seu projeto de gestão estratégica, por volta de 1988, a participação do BB no mercado paulista não era mais que 4%, consideradas as operações de financiamento e os depósitos. Banespa, Bradesco e Itaú dominavam o mercado. Com a venda do Banespa ao grupo espanhol Santander, imaginávamos, nós da MP Consultoria, o que seria esse day after. Lançamos até um produto com esse nome em que estimávamos o market share de cada participante do mercado, seus produtos e as possibilidades de migração de clientela do Banespa aos demais, além do Santander. O fato é que Santander conseguiu segurar parcela expressiva da clientela do Banespa; e Itaú e Bradesco continuam com elevado share porque, notavelmente, criaram entre si um índice de repulsa mútua que garantiu a estabilização de seu share. Para explicar, é um pouco daquela coisa que existe entre as torcidas do Corinthians e Palmeiras, do FlaFlu, do Grêmio e Internacional. Essa força de oposição mantem essas torcidas unidas contra um adversário comum. Estudamos essa questão e observamos que isso ocorre no caso de Bradesco e Itaú; isso tem garantido para esses bancos a clientela ao longo do tempo. Parece ser um caso único no mercado bancário nacional. Assim, o Santander foi o grande beneficiário da privatização do Banespa. E esse movimento de transferência de diretorias do BB para São Paulo poderia desestabilizar a distribuição da clientela paulista, afetando principalmente o Santander. Esse é, ao meu ver, o grande beneficiário desse engessamento do BB. Mas não creio que ele tenha exercido influência política nas decisões governamentais que resultaram no cancelamento da transferência da diretoria do BB para São Paulo.

Revista Brasília – E a autonomia do Banco do Brasil ?
Wilson R Correa –  O Banco do Brasil é uma empresa de economia mista. O Tesouro Nacional possui a maioria de suas ações nominativas e o Banco deve reportar-se aos interesses do Estado Brasileiro. Acredito mesmo que a   presidente Dilma deve ter atuado no sentido de conter eventual esvaziamento de Brasília, no melhor  interesse público, não tenho dúvidas a respeito.

Revista Brasília – E a Caixa Econômica Federal ?

Wilson R Correa –  É outro banco do Estado Brasileiro que cumpriu um papel essencial no enfrentamento da crise, a partir de 2008, até os dias de hoje. Em termos de manutenção do emprego no País, a partir do crédito à construção civil e notadamente ao programa governamental de construção de casas populares. E determinante que esse banco se fortaleça em São Paulo, onde se encontram as grandes empresas. CAIXA e BB são imprescindíveis ao País. A crise econômica demonstrou isso e até a tradicional revisa econômica inglesa The Economist o reconheceu.

Revista Brasília – Então, que ações e reações os demais bancos demonstraram ?

Wilson R Correa – Certamente, os serviços de inteligência dos bancos privados captaram essa movimentação do BB. Trata-se de um mercado ultracompetitivo, que mantem todos em alerta permanente. E as notícias voam. Os próprios diretores financeiros das empresas demonstram, em conversas com os gerentes de suas contas bancárias, a existência de incursões de gerentes dos demais concorrentes, buscando a conquista plena de seus negócios. Mas, os bancos privados têm uma voz, Dr. Armírio Fraga. Não se manifestou específicamente sobre esse caso, mas no passado recente já tornou evidente sua posição.

Revista Brasília  –  Armírio Fraga, o ex presidente do Banco Central ?

Wilson R Correa – Exatamente. Mas eu diria que, recentemente, há uma segunda voz, a do presidente da Febraban, Dr. Murilo Portugal, que há pouco tempo deixou uma diretoria do FMI. Armírio Fraga revelou em uma matéria de página inteira no jornal Valor, em 2010, que a presença do BNDES na economia brasileira deveria ser reduzida, pois estaria ocupando o mercado que, por natureza, segundo ele, deveria ser ocupado por bancos privados. Isso aconteceu antes desse recente aprofundamento da crise internacional. Até aquela ocasião, os bancos estrangeiros tinham limpado suas contas no País para apoiar suas matrizes em processo pré-falimentar na Europa e EUA. O City, por exemplo, raspou o caixa aqui; e não foi a primeira vez, às portas da falência no exterior, abandonou seus clientes brasileiros ... que migraram de banco. E os bancos brasileiros, por conta do risco de crédito, fecharam as portas de seus cofres às demandas empresariais de crédito para capital de giro e capital de investimento. Todos devem estar lembrados que o ministro Mântega disse, “olha, não façam isso, vocês vão perder mercado, depois vão se arrepender”, com essas palavras, noticiado no Valor. Ouvidos moucos. Mântega mandou o Tesouro Nacional capitalizar o BB, a Caixa e o BNDES e esses bancos sustentaram a subsistência das atividades produtivas brasileiras através de suas linhas de crédito. Ganharam participação, share, como se diz no mercado, que hoje buscam retomar. No momento atual, repete-se a elevação de risco de crédito, capitais fogem do País, bancos estrangeiros já remeteram às matrizes cerca de US$2 bi, nos últimos doze meses. Talvez mais. Aliás, como a expressiva maioria das multinacionais aqui instaladas. Armírio Fraga já deu seu recado, que talvez tenha sido um meio de valorizar seu banco de investimentos, vendido a um grupo estrangeiro logo em seguida àquele artigo. Mas não houve qualquer manifestação pública sua sobre o caso da transferência do BB para Sampa.

Revista Brasília  –  E o Dr. Murilo Portugal ?

Wilson R Correa – Bom. Nós sabemos que a nova direção do FMI é muito menos tradicionalista em termos de política monetária do que já foi no passado. E Portugal é um técnico que já foi Secretário do Tesouro Nacional nos tempo de neoliberalismo acirrado nas políticas fiscal e monetária brasileira. Talvez não lhe restasse espaço para seu trabalho como diretor do FMI. Assim, o posto de presidente da Febraban lhe fosse mesmo mais adequado. Há uma matéria do jornalista Cristiano Romero, no jornal Valor, de 05.10.2011, em que Murilo Portugal destaca uma visão menos sombria da Europa, como que desdizendo o diagnóstico feito pelo Banco Central do Brasil que justificou a queda dos juros Selic. Discretamente, não é mencionada na entrevista nada a respeito dos juros Selic. Ele apenas desqualifica o diagnóstico do Bacen; e, claro, com isso destrói a lógica da redução dos juros pelo Bacen. É o perfil lowprofile da Febraban. Marketing super competente, discrição absoluta. Outros falam por ela: jornalistas econômicos rezam a necessidade de juros altos. Ela não precisa falar, melhor assim. Quero dizer que Portugal é um portavoz discreto dos bancos privados. Armírio é mais incisivo e evidente. Ainda assim, nenhum deles manifestou-se diretamente sobre o caso BB-São Paulo.

Revista Brasília  –  Porque a mudez também do BB ? Não se diz que o BB tem uma bancada no Congresso Nacional ?

Wilson R Correa – A direção do BB é composta por técnicos de carreira, servidores, profissionais discretos. Homens de finanças são assim por natureza. Perfil pessoal necessário ao papel. Aliás, porque se insurgir contra o poder presidencial? Discrição é a melhor arma, consegue-se realizar muito mais e negociar muito melhor discretamente.  Sobre a bancada no Congresso, não há sinais de sua existência, sabe-se alguns deputados e senadores tem compromissos financeiros, negócios rurais e urbanos, empréstimos junto ao BB. Isso não garante apoio nem manifestos contra o governo Dilma, que está mais popular que o governo Lula. Alem disso, um pito faz bem à popularidade da presidenta.

Revista Brasília  –  Que interesses estariam mobilizando o senador Rodrigo Rollemberg ao dirigir o movimento contra a transferência da diretoria do BB para São Paulo ?

O senador Rodrigo Rollemberg está conduzindo o movimento pela permanência da diretoria do BB em Brasília. Talvez tenha informações de que não disponho, ou vice versa. Não está ligado ao agronegócio, ao contrário, atualmente preside a comissão do Senado que reestuda o projeto de Código Ambiental aprovado pela Câmara. Creio que sua presença no movimento contra a transferência deve-se ao ideário de proteção de Brasília contra o esvaziamento econômico, luta permanente dos deputados e senadores brasilienses, que extrapola cores partidárias. É é muito louvável. Sei que é um excelente articulador político.

Revista Brasília  –  Bom. Qual deverá ser o resultado final desse embroglio ?

Wilson R Correa –  Haverá um meio termo, espero. Pois o fortalecimento do BB em São Paulo e também da CAIXA é imprescindível para o enfrentamento da retomada da crise econômica, considerada a elevação de risco de crédito, o novo contigenciamento de crédito dos bancos privados aos empresários brasileiros e a elevação da remessa de recursos financeiros de bancos estrangeiros que atuam no Brasil às suas matrizes nos EUA e na Europa.

Revista Brasília  –  obrigado pela entrevista.

Wilson R Correa – A satisfação foi toda minha. Parabéns pela Revista Brasília. 

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