domingo, 4 de setembro de 2011

REGULAÇÃO DO MERCADO FINANCEIRO, A NOVA GRANDE BATALHA

Resultado da crise econômica mundial em curso, a tendência do momento atual é de retomada da regulação do mercado financeiro, seja pelas autoridades monetárias de cada país, seja pelo conjunto de nações reunidas em comunidades, como é o caso da União Européia. A meta tende a ser a busca de novo modelo de integração internacional em bases distintas do fundamentalismo de mercado que ganhou corpo desde os anos 80, de modo a ser fortalecido o controle dos movimentos de capitais pelo Estado.


O estabelecimento dessas novas bases de operação e de regulação do sistema financeiro dá-se em meio a terrível queda de braço pelas forças em oposição envolvidas.


De um lado os bancos centrais e autoridades econômicas dos países, ao lado de organizações como a United Nations Conference on Trade and Development, a UNCTAD da ONU; e também, inacreditavelmente, o FMI. 

De outro, encontram-se as instituições financeiras nacionais, os grandes bancos internacionais, as organizações que os aglutinam e representam, a OCDE e os lobistas, as empresas de consultoria a bancos e os financistas,  defensores intransigentes do fundamentalismo laissez-faire de mercado.

O Brasil é locus de experimentação e vanguarda no estabelecimento dessas novas bases regulatórias. A experimentação brasileira é objeto de curiosidade e avaliação internacional de organizações como o FMI. A contragosto da banca e dos financistas, pode prestar-se como modelo às autoridades econômicas dos demais países.

A UNCTAD divulgou um estudo [1] em 2009 em que avaliou a crise economia em curso, identificou a natureza e a dimensão dos problemas e apresentou soluções.  Uma das soluções propostas foi a implementação de uma forte governança monetária e financeira internacional. A alegação para tal foi que “a dinâmica da crise reflete a existência de falhas na desregulamentação financeira nacional e internacional, desequilíbrios persistentes, inexistência de um sistema monetário internacional e inconsistências profundas entre o comércio global e as políticas monetárias e financeiras."

O entendimento da UNCTAD é o de que falhou dramaticamente o fundamentalismo de mercado que reinou hegemônico dos anos 80 até 2009. A desregulamentação do mercado financeiro criada por esse fundamentalismo trouxe a maximização das posições de riscos elevado que “empurraram a economia global para uma deflação da dívida, que somente pode ser contida por uma inflação da dívida”.  Alem disso, a fé cega na eficiência do mercado financeiro desregulado e a ausência de um sistema financeiro e monetário cooperativo criou a ilusão de rendimentos livres de riscos. 

Para se contrapor a esse quadro, a UNCTAD avalia que o mais importante é conter a queda da demanda e do preços dos ativos, bem como revigorar a capacidade do setor financeiro de prover créditos aos investimentos produtivos, estimular o crescimento econômico e evitar a deflação dos preços. 

Segundo a UNCTAD, o objetivo mais importante da reforma regulatória tem que ser a “extirpação da sofisticação financeira sem retorno social”. As falhas sistêmicas somente seriam solucionadas por meio de ampla reforma e “reregulamentação”, com um forte papel para o conjunto de governos trabalhando em uníssono, pois, contrariamente à perspectiva tradicional, os “governos estão bem posicionados para julgar os movimentos de preços nos mercados financeiros e não deveriam hesitar em intervir ao se depararem com maiores desequilíbrios”. 

A UNCTAD observou que o preço das comoditires e a volatilidade  tem sido afetadas pelo crescente papel e grande peso de investidores financeiros no mercado futuro de comodities,  o que provocou o surgimento de bolhas especulativas  durante o boom e seu estouro após o choque do subprime.  

Como solução para esse problema, a UNCTAD recomendou no estudo “o maior acesso das autoridades regulatórias aos dados comerciais de modo a habilitá-las a compreender melhor o que provoca o movimento de preços e a intervir em certos mercados problemáticos, enquanto as principais brechas na regulamentação precisam ser fechadas para assegurar que posições no mercado corrente desregulado não conduzam à especulação excessiva.” 

Além disso, a ausência de um sistema financeiro cooperativo para administrar flutuações do câmbio tem facilitado, segundo a UNCTAD, especulações com moedas e aumentado os desequilíbrios globais. Considera que os países em desenvolvimento não podem ser submetidos a uma crise de rating pelo mesmo sistema financeiro que criou seus problemas. Para evitar o colapso do sistema de comércio internacional e para manter a estabilidade global, são necessárias urgentes arranjos cambiais multilaterais e globais.

O teor dessas análises bem demonstra que a razão da ira contra a ONU pelos ultraconservadores que dominaram Washington, ao longo dos oito anos de governo de George W. Bush, não se deveu "tão somente" ao intento de inspeção pela ONU do arsenal atômico norteamericano, às inspeções solicitadas pela AIEA que sempre lhe foram negadas; ou ao interesse da ONU pela negociação e implantação do Estado Palestino no território ocupado por Israel: a ONU é contrária ao liberalismo ultraconservador e à desregulamentação total dos mercados financeiros e bens e serviços.



Fico por aqui. Comentarei depois as posições do outro lado,  em que se encontram organizações como a OCDE, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a FEBRABAN, os intelectuais da Casa das Garças e outros sectários do fundamentalismo de mercado.  





[1] vide UNITED NATIONS, The Global Economic Crisis: Sistemic Failures and Multilateral Remedies. United Nations Conference on Trade and Development. p. iii. New York and Geneve, 2009. 

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