quinta-feira, 15 de setembro de 2011

BNDES EM TOM MENOR PARA O CENTRO OESTE DO BRASIL





É patente há séculos o desequilíbrio econômico e social entre as diversas regiões brasileiras. Em função disso, desde a criação da SUDENE, em 1959, e da SUDAM, em 1966, o Estado Brasileiro desenvolve políticas compensatórias em favor do Nordeste, do Norte e também do Centro Oeste brasileiro, objetivando o nivelamento econômico dessas regiões com o Sul e Sudeste do País. 


Alem dessas iniciativas, deve igualmente ser lembrada a criação do Banco da Amazônia, BASA, em 1950, e do Banco do Nordeste, em 1952, ambos pelo governo Getúlio Vargas, destinados a apoiar com crédito os projetos de investimentos dirigidos a duas regiões. 

O grande alento da região Centro Oeste, por sua vez, foram os investimentos realizados para a transferência da capital federal para Brasília, que gerou efeitos multiplicadores importantes para toda região. Alem desse, outro fator de avanço econômico do Centro Oeste foi o trabalho inovador da Embrapa ao desenvolver sementes de soja próprias ao solo e clima dessa região. Essa conquista tecnológica viabilizou a atividade agrícola no Centro Oeste nos anos 70 e proporcionou o carreamento de novos recursos humanos, financeiros e tecnológicos.

O BNDES é outro banco de desenvolvimento criado pelo governo Vargas, em 1952, e seu âmbito geográfico de atuação alcança todo o território brasileiro. O Banco mantem presença importante nas regiões NO, NE e CO, a despeito de suas operações de crédito favorecerem preponderantemente as regiões Sudeste e Sul; e, notadamente, as grandes empresas, que absorveram 72,9% de seus créditos em 2010.

Neste exato momento, a crise econômica internacional traz reflexos importantes que se fazem sentir sobre a economia brasileira, em especial sobre o desenvolvimento regional. Entre eles encontra-se a aceleração das remessas de lucros e dividendos ao exterior pelas empresas internacionais às suas matrizes na Europa e EUA.

Nos doze meses completos em julho/11, essa sangria atingiu US$34,2 bilhões, valor próximo aos US$34,9 bilhões atingidos em set/08, ocasião do início da crise. O sistema de câmbio livre defendido ferozmente pela banca privada internacionalista e seus intelectuais tem viabilizado essa movimentação passiva de capitais em detrimento da economia do País e em favor das empresas multinacionais.

Bancos privados estrangeiros remeteram ao exterior US$1,9 bilhão nos doze últimos meses, 33% acima do verificado em igual período do ano anterior, noticia o jornal Valor em 14.09.11; e as indústrias, US$3,1 bilhão (+12%). E o setor de telecomunicações, US$3,2 bilhões, de janeiro a julho/2011.

Nesse quadro de evasão de recursos é negativo o efeito dessa movimentação sobre o desenvolvimento regional e intersetorial. Há sinais claros de que os bancos brasileiros, movidos pela elevação do risco de crédito, e os bancos estrangeiros, também pela redução de suas disponibilidades, já reduzem os montantes de empréstimos e promovem a concentração de créditos nas regiões Sul e Sudeste. Tanto para capital de giro, quanto para capital de investimento, essa concentração regional se dá segmento de grandes empresas.

Desse modo, as regiões Centro Oeste, Nordeste e Norte tornam-se paulatinamente desatendidas pelos bancos privados e dependentes, quase que de forma exclusiva, dos empréstimos dos bancos regionais oficiais.

Entendendo que a demanda de empréstimos para capital de investimento possa estar sendo atendida, através dos Fundos Constitucionais, pelo BASA, BNB e pelo BB, no Norte, Nordeste e Centro Oeste, respectivamente, e pelo BNDES, o suprimento de capital de giro às empresas resta, por sua vez, como a questão crítica pendente de solução.

A demanda de crédito para giro empresarial vinha sendo atendida crescentemente        pelos bancos privados. Estes provocam agora uma inflexão na curva de oferta desse crédito, sob o temor do risco de crédito e impulsionados pela menor disponibilidade de recursos trazida pela intensificação das remessas ao exterior.

O BNDES tem uma linha de crédito denominada PROGEREN, especial para empréstimos para capital de giro empresarial, voltada a micro, pequenas e médias empresas do setor industrial. Os juros estão por volta de 1,0% ao mês; prazo de 36 meses para pagamento, com 12 de carência. São R$10,4 bilhões previstos no orçamento previsto em 2011 para esta linha.

Excepcionalmente para as regiões Norte e Nordeste, essa linha atende também o setor de comércio e serviços. No Plano Estratégico do BNDES a região Centro Oeste não é atendida com essa mesma excepcionalidade, embora seus índices de desenvolvimento a situem muito abaixo dos indicadores das regiões Sul e Sudeste, tal como as regiões Norte e Nordeste.

Importante observar que as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste contam apenas com os créditos para capital de investimento, os chamados Fundos Constitucionais, oferecidos do Banco da Amazônia (FNO), Banco do Nordeste (FNE) e Banco do Brasil (FCO), respectivamente. Contudo, essas linhas não oferecem empréstimos para capital de giro desvinculadamente de projetos de investimento, que são a grande demanda empresarial também do setor de serviços, diante do rigor e contingenciamento de crédito internalizado no País a partir da expansão da crise internacional.

Mas, as operações de capital de giro empresarial do BNDES, o Progeren, são oferecidas apenas ao setor de comércio e serviços para as empresas do Norte e Nordeste.

Atividades essenciais, como telefonia e telecomunicações, como serviços de saúde, como manutenção elétrica de usinas, do gazoduto Brasil-Bolívia, por exemplo, de Universidades, de organizações voltadas à arte e cultura e à prestação de serviços aos órgãos públicos da Federação e dos Estados, além muitas outras atividades relevantes do setor de serviços estão encontrando dificuldades na operacionalização de suas atividades pelo fechamento da torneira do crédito para capital de giro.

Diante desse reflexo da crise econômica internacional sobre a economia daquelas três regiões, aguarda-se ansiosamente a revisão imediata do plano estratégico do BNDES; e, nessa revisão, duas medidas: (1ª) a inserção do Centro Oeste no rol das áreas do País atendidas pelas operações PROGEREN nos segmentos de comércio e serviços; (2ª) a reativação do Progeren para esses segmentos, inclusive para o Norte e o Nordeste, hoje suspensa, como informado no site do BNDES. Isso tudo em prol:

  • do tratamento isonômico entre os Estados com menor grau de desenvolvimento relativo, do Centro Oeste, Nordeste e Norte, em face das Regiões Sul e Sudeste;

  • da superação das limitações de crédito de giro, trazidas pela retração dos financiamentos dos bancos, uma vez mais observável desde 2008;

  • da efetiva desconcentração do crédito nas regiões Sul e Sudeste e no segmento de Grandes Empresas, neutralizando a tendência de concentração trazida pela crise econômica internacional. 

    domingo, 4 de setembro de 2011

    REGULAÇÃO DO MERCADO FINANCEIRO, A NOVA GRANDE BATALHA

    Resultado da crise econômica mundial em curso, a tendência do momento atual é de retomada da regulação do mercado financeiro, seja pelas autoridades monetárias de cada país, seja pelo conjunto de nações reunidas em comunidades, como é o caso da União Européia. A meta tende a ser a busca de novo modelo de integração internacional em bases distintas do fundamentalismo de mercado que ganhou corpo desde os anos 80, de modo a ser fortalecido o controle dos movimentos de capitais pelo Estado.


    O estabelecimento dessas novas bases de operação e de regulação do sistema financeiro dá-se em meio a terrível queda de braço pelas forças em oposição envolvidas.


    De um lado os bancos centrais e autoridades econômicas dos países, ao lado de organizações como a United Nations Conference on Trade and Development, a UNCTAD da ONU; e também, inacreditavelmente, o FMI. 

    De outro, encontram-se as instituições financeiras nacionais, os grandes bancos internacionais, as organizações que os aglutinam e representam, a OCDE e os lobistas, as empresas de consultoria a bancos e os financistas,  defensores intransigentes do fundamentalismo laissez-faire de mercado.

    O Brasil é locus de experimentação e vanguarda no estabelecimento dessas novas bases regulatórias. A experimentação brasileira é objeto de curiosidade e avaliação internacional de organizações como o FMI. A contragosto da banca e dos financistas, pode prestar-se como modelo às autoridades econômicas dos demais países.

    A UNCTAD divulgou um estudo [1] em 2009 em que avaliou a crise economia em curso, identificou a natureza e a dimensão dos problemas e apresentou soluções.  Uma das soluções propostas foi a implementação de uma forte governança monetária e financeira internacional. A alegação para tal foi que “a dinâmica da crise reflete a existência de falhas na desregulamentação financeira nacional e internacional, desequilíbrios persistentes, inexistência de um sistema monetário internacional e inconsistências profundas entre o comércio global e as políticas monetárias e financeiras."

    O entendimento da UNCTAD é o de que falhou dramaticamente o fundamentalismo de mercado que reinou hegemônico dos anos 80 até 2009. A desregulamentação do mercado financeiro criada por esse fundamentalismo trouxe a maximização das posições de riscos elevado que “empurraram a economia global para uma deflação da dívida, que somente pode ser contida por uma inflação da dívida”.  Alem disso, a fé cega na eficiência do mercado financeiro desregulado e a ausência de um sistema financeiro e monetário cooperativo criou a ilusão de rendimentos livres de riscos. 

    Para se contrapor a esse quadro, a UNCTAD avalia que o mais importante é conter a queda da demanda e do preços dos ativos, bem como revigorar a capacidade do setor financeiro de prover créditos aos investimentos produtivos, estimular o crescimento econômico e evitar a deflação dos preços. 

    Segundo a UNCTAD, o objetivo mais importante da reforma regulatória tem que ser a “extirpação da sofisticação financeira sem retorno social”. As falhas sistêmicas somente seriam solucionadas por meio de ampla reforma e “reregulamentação”, com um forte papel para o conjunto de governos trabalhando em uníssono, pois, contrariamente à perspectiva tradicional, os “governos estão bem posicionados para julgar os movimentos de preços nos mercados financeiros e não deveriam hesitar em intervir ao se depararem com maiores desequilíbrios”. 

    A UNCTAD observou que o preço das comoditires e a volatilidade  tem sido afetadas pelo crescente papel e grande peso de investidores financeiros no mercado futuro de comodities,  o que provocou o surgimento de bolhas especulativas  durante o boom e seu estouro após o choque do subprime.  

    Como solução para esse problema, a UNCTAD recomendou no estudo “o maior acesso das autoridades regulatórias aos dados comerciais de modo a habilitá-las a compreender melhor o que provoca o movimento de preços e a intervir em certos mercados problemáticos, enquanto as principais brechas na regulamentação precisam ser fechadas para assegurar que posições no mercado corrente desregulado não conduzam à especulação excessiva.” 

    Além disso, a ausência de um sistema financeiro cooperativo para administrar flutuações do câmbio tem facilitado, segundo a UNCTAD, especulações com moedas e aumentado os desequilíbrios globais. Considera que os países em desenvolvimento não podem ser submetidos a uma crise de rating pelo mesmo sistema financeiro que criou seus problemas. Para evitar o colapso do sistema de comércio internacional e para manter a estabilidade global, são necessárias urgentes arranjos cambiais multilaterais e globais.

    O teor dessas análises bem demonstra que a razão da ira contra a ONU pelos ultraconservadores que dominaram Washington, ao longo dos oito anos de governo de George W. Bush, não se deveu "tão somente" ao intento de inspeção pela ONU do arsenal atômico norteamericano, às inspeções solicitadas pela AIEA que sempre lhe foram negadas; ou ao interesse da ONU pela negociação e implantação do Estado Palestino no território ocupado por Israel: a ONU é contrária ao liberalismo ultraconservador e à desregulamentação total dos mercados financeiros e bens e serviços.



    Fico por aqui. Comentarei depois as posições do outro lado,  em que se encontram organizações como a OCDE, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a FEBRABAN, os intelectuais da Casa das Garças e outros sectários do fundamentalismo de mercado.  





    [1] vide UNITED NATIONS, The Global Economic Crisis: Sistemic Failures and Multilateral Remedies. United Nations Conference on Trade and Development. p. iii. New York and Geneve, 2009.